O entusiasmo e a confiança para participar da entrevista ocupou meu ser e o otimismo foi movido pela expectativa de encontrar um ambiente atrativo e acolhedor, mas, na entrada perdi parte da motivação. A sala de espera era como a recepção institucional corretiva de jovens com adoção de medidas socioeducativas, me transportando para a década de 1980, quando imperava o "código de menores". Deduzi hipoteticamente que o comportamento do estudante devia ser vigiado, no bom entender de Michel Foucault na obra "Vigiar e punir" (1975), que os jovens nem percebem o "controle invisível" da sociedade punitiva sobre suas atitudes, comunicação e postura diante do mundo. Alguns devem sair felizes da "frigideira e caem no fogo" (frigideira, leia-se a família e o fogo, a escola), mas, assim como a metáfora do sapo na panela com água, que vai fervendo aos poucos, permanecem inertes.
A família transferiu a muito tempo a responsabilidade de educar para a escola, que entendeu como tarefa do professor e que por sua vez, aceitou seu papel como bom operário da educação. Aguardei alguns minutos até ser chamado e guiado até a sala do diretor. O jovem e bem apessoado, empoderado dirigente era o representante típico da geração Y. Fez o rapport inicial da entrevista e finalizou pedindo que apresentasse verbalmente, naquele momento, como seria o plano de trabalho para implantar o projeto do "novo" ensino médio na escola. Por um momento, pensei em abrir o celular e repassar o pedido para o gemini ou o chatGPT responderem, mas, seria deselegante.
Pode ser que a exigência de otimização imposta pelas novas tecnologias aos "milleniuns", gerou um descompasso entre a representação e a realidade como se apresenta. Particularmente, consigo elaborar um projeto com densidade e complexidade em menos de 72 horas, com revisão técnica de conteúdo, desenho de processos, sistemas e metodologia, mas, o pouco de motivação que ficou da recepção, escapou pela modernidade líquida de Bauman.
A educação no ensino superior que na década de 1970-80, era 90% pública e 10% privada, também como o "sapo na panela", permaneceu incrédula frente a mudança do ambiente e atualmente, assim como qualquer mercadoria disponível para consumo, possui valor de uso e de troca, dirigida por mentes executivas que controlam o projeto político pedagógico por indicadores técnicos-administrativos, formais, KPIs que denigrem sem intenção o propósito educacional e afundam o processo científico-pedagógico, que orienta a reflexão didática dirigida e crítica, para o subterrâneo do conhecimento e aprendizagem.
Nas empresas e no ensino superior, as atividades fins passaram a ser submetidas pelas atividades meio e mais uma vez, assim como o "sapo na panela", gestores e educadores educacionais ficaram impactados, porém optaram pela fé. O mesmo acontecerá no ensino médio brasileiro e prevejo que em menos tempo que no ensino superior, dada a acelerada estatística privada pelo viés da educação a distância e a flexibilização nos até então, temidos instrumentais de avaliação da qualidade, aplicados pelo banco de avaliadores do Ministério da Educação - MEC.
Como apresenta o MEC, existem três mudanças no "novo" ensino médio: a primeira delas é que "estudantes, com ajuda dos professores (como se fosse novidade), durante o processo de construção (que está mais para produção), de seus projetos de vida, poderão definir seus percursos formativos conforme seus interesses e necessidades (desconstruindo a responsabilidade do educador e transferindo para a autonomia do educando). A segunda mudança é que todos os estudantes brasileiros passam a ter o mesmo direito de aprendizagem. O significado dessa mudança é que a padronização e universalização das diretrizes formativas devem ser as mesmas, independente do lugar em que o estudante se encontra, em outras palavras, está estabelecida a base para educação a distância prosperar e ser competitiva nacionalmente, incluindo poder atender estudantes de outros países em futuro breve, com a consolidação do mercosul. Vale ressaltar que as IES públicas também não escaparão do efeito provão, Enade, Enem, prova Brasil e outros modelos avaliativos da qualidade KPIs como já ocorre na contratação de funcionários públicos, em breve teremos a prova nacional para concursar docentes e pesquisadores. A terceira mudança ressaltada é que os estudantes terão "mais horas de estudo em todas as escolas" do país, além de "mais matrículas em tempo integral" (ou dizendo de outra forma, será mais tempo de consumo educacional no século XXI, com a cara de pós-fordismo do início do século XX).
"Novo" ensino médio? como assim? A água estava fervendo e os educadores nem perceberam. O MEC vendeu a ideia de "mais tempo de ensino para professores e estudantes", parece que haverá qualidade superior ao que já existe na estrutura educacional pública brasileira, pode até ser, mas no ensino privado, significa economicidade (leia-se lucro) para o negócio educacional funcionar como pilar de sustentação corporativa, intensificação do tempo de estudo, preenchido com atividades complementares (o que já ocorre no ensino superior) e produtividade pedagógica, para que o ensino ocorra em escala, como linha de produção (que já era e foi atualizado), com professores aplicando metodologias tecnicistas, avaliadas por indicadores administrativos em massa, camufladas como metodologias ativas, criativas e inovadoras.
Segundo o MEC-INEP, a rede estadual tem a maior participação no ensino médio com quase 85% dos estudantes, distribuídos em escolas estaduais, rede federal e municipal. A rede privada, por sua vez, possui cerca de 15%, em um país com quase 180 mil escolas e cerca de 48 milhões de estudantes em todas as etapas educacionais. A tendência de transformação do ensino público em privado começou lenta, mas será acelerada daqui para frente. São Paulo possui 9 entre as 10 escolas brasileiras de luxo. A escola mais cara do Brasil é a Avenues, com mensalidades superiores a 14 mil reais e a matrícula no valor de 28 mil reais, juntamente com mais outras 8 escolas no estado. Olhando a postura ou o conhecimento, habilidades e atitudes do jovem dirigente, optei por delirar pensamentos quânticos, integrados com minha inteligência emocional, como estratégia para manter o equilíbrio e a empatia social presente na sala. O "novo" ensino médio é o primeiro degrau na "pirâmide invertida" do negócio educacional brasileiro no século XXI, quem viver, verá.
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